SOBRE AS ORIGENS DO CARNAVAL
Pesquisa: Aroldo Historiador
Introdução:
Um breve apanhado sobre a origem do carnaval sobre as mais prováveis origens do carnaval, que acabou virando uma das festas mais populares do mundo.
Como muito coisa na História, o carnaval tem origens múltiplas e esta multiplicidade de certo modo se mantém ainda hoje por meio da liberdade que se tem neste período em expressar o que não de se poderia em outras épocas do ano.
"ORIGEM DO CARNAVAL
(...) Entre as maiores festas de Carnaval do mundo, estão o carnaval de Veneza (Itália), de Nice (França), de Nova Orleans (EUA) e de Barranquilla (Colômbia), por exemplo.
A Origem
Para alguns estudiosos, o Carnaval teve origem na Babilônia através da comemoração das Saceias. Nessa festa, concedia-se a um prisioneiro que assumisse a identidade do rei por alguns dias, sendo morto ao fim da comemoração.
Ainda na Babilônia outra festa poderia ter dado origem ao Carnaval quando, no templo do deus Marduk, o rei era agredido e humilhado, confirmando a sua inferioridade diante da figura divina.
Outros historiadores acreditam que o Carnaval teve início na Grécia por volta de 600 a.C., na altura em que era comemorado o princípio da primavera. Há, entretanto, suposições de que a sua origem decorre da Saturnália, quando, em Roma, as pessoas se mascaravam e passavam dias a brincar, comer e beber. (...)
História
(..) Em Veneza, os nobres usavam máscaras para poder desfrutar da festa junto do povo. É daí que se origina o uso da máscara.
Carnaval em Veneza
No Brasil, o Carnaval surgiu como o entrudo trazido pelos portugueses. No entrudo, a brincadeira das pessoas era atirar coisas umas às outras: água, farinha, ovos e tinta, o que anos depois foi proibido. Hoje se brinca com confetes e serpentinas, brincadeira também trazida da Europa.Jogos do entrudo. Aquarela de Augustus Earle (1822)
Inicialmente o nosso Carnaval era de rua e dele faziam parte as marchas de Carnaval - marchinhas. A primeira marchinha, em 1899, é da autoria de Chiquinha Gonzaga e se chama Ó Abre Alas. Carmem Miranda foi a cantora de marchinhas mais conhecida.Carmem Miranda (1909-1955), cantora, dançarina e atriz luso-brasileira (SIC), conhecida como a Pequena Notável
Mais tarde, a marchinha deu lugar ao samba-enredo das escolas de samba, ao mesmo tempo em que o Carnaval de rua cedeu espaço aos desfiles das escolas. Isso não aconteceu em Pernambuco e na Bahia, que são conhecidos pelos blocos de Carnaval e pelos trios elétricos, respetivamente.Bonecos gigantes, marca do Carnaval de rua de Olinda (Pernambuco)
A primeira escola que surgiu no Rio de Janeiro se chamava Deixa Falar, hoje Estácio de Sá. No Rio de Janeiro e em São Paulo as pessoas aguardam ansiosas aos desfiles, enquanto que as pessoas que gostam do Carnaval de rua se deslocam para o Nordeste. Desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro. Ao fundo, o arco da Praça da Apoteose."
("História e Origem do Carnaval": https://www.todamateria.com.br/historia-e-origem-do-carnaval/)
"(...)Nos países historicamente luteranos, a celebração é conhecida como Fastelavn[6][7] e em áreas com uma alta concentração de anglicanos e metodistas, as celebrações pré-quaresmais, juntamente com observâncias penitenciais, ocorrem na terça-feira de carnaval.[8] Nas nações eslavas ortodoxas orientais, o Maslenitsa é celebrado durante a última semana antes da Grande Quaresma. Na Europa de língua alemã e nos Países Baixos, a temporada de Carnaval tradicionalmente abre no 11/11 (muitas vezes às 11:11 a.m.). Isto remonta a celebrações antes da época de Advento ou com celebrações de colheita da Festa de São Martinho.
O Carnaval moderno, feito de desfiles e fantasias, é produto da sociedade vitoriana do século XX.[9] A cidade de Paris foi o principal modelo exportador da festa carnavalesca para o mundo. Cidades como Nice, Santa Cruz de Tenerife, Nova Orleans, Toronto e Rio de Janeiro se inspiraram no Carnaval parisiense para implantar suas novas festas carnavalescas. Já o Rio de Janeiro criou e exportou o estilo de fazer carnaval com desfiles de escolas de samba para outras cidades do mundo, como São Paulo, Tóquio e Helsinque. (...)
História
Origens
Festa do Navigium Isidis, comemorada na Roma Antiga em homenagem a deusa Ísis.
Entre os antigos egípcios havia as festas de Ísis e do boi Ápis; entre os hebreus, a festa das sortes; entre os gregos antigos, as bacanais; na Roma Antiga, as lupercais, as saturnais. Festins, músicas estridentes, danças, disfarces e licenciosidade formavam o fundo destes regozijos. Pelo seu lado, os gauleses tinham festas análogas, especialmente a grande festa do inverno a que é marcada pelo adeus à carne que a partir dela se fazia um grande período de abstinência e jejum, como o seu próprio nome em latim "carnis levale" o indica.
Outros estudiosos defendem a origem do nome romano para a festa do Navigium Isidis ("navio de Isis"), onde a imagem de Ísis era levada à praia para abençoar o início da temporada de velejamento. O festival consistia em um desfile de máscaras que seguia um barco de madeira decorado, possivelmente a origem dos carros alegóricos dos carnavais modernos.
Do ponto de vista antropológico, o carnaval é um ritual de reversão, no qual os papéis sociais são invertidos e as normas de comportamento são suspensas. Na Antiguidade, os povos consideravam o inverno como um reino de espíritos que precisavam ser expulsos para que o verão voltasse. O Carnaval pode assim ser considerado como um rito de passagem da escuridão para a luz, do inverno ao verão: uma celebração de fertilidade, a primeira festa de primavera do ano novo.
Várias tribos germânicas celebravam o retorno da luz do dia. O inverno seria afastado, para se certificar de que a fertilidade poderia retornar na primavera.Uma figura central desse ritual era possivelmente a deusa da fertilidade Nerto. Além disso, há indicações de que a efígie de Nerto ou Frey era colocada em um navio com rodas e acompanhada por uma procissão de pessoas disfarçadas de animais e homens vestidos de mulheres. A bordo do navio um casamento seria consumado como um ritual de fertilidade.
Tácito escreveu em sua obra Germânia: "Os germânicos, no entanto, não consideram consistente com a grandeza dos seres celestiais confinar os deuses dentro de muros, ou compará-los à forma de qualquer rosto humano." "Depois, o carro, as vestes e, se você quiser acreditar, a própria divindade, são purificados em um lago secreto". Tradicionalmente, a festa também era uma época para satisfazer desejos sexuais, que deveriam ser suprimidos durante o jejum seguinte.
Idade Média
Em muitos sermões e textos cristãos, o exemplo de uma embarcação é usado para explicar a doutrina cristã: "a nave da igreja do batismo", "o navio de Maria", etc. Os escritos mostram que eram realizadas procissões com carruagens semelhantes a navios e festas suntuosas eram celebradas na véspera da Quaresma ou a saudação da primavera no início da Idade Média. No entanto, a Igreja Católica condenava o que chamava de "devastação diabólica" e "rituais pagãos". Já no ano 325, o Primeiro Concílio de Niceia tentou acabar com estas festas pagãs.
A Luta entre o Carnaval e a Quaresma (1559) — Pieter Bruegel (1564-1638) — Kunsthistorisches Museum, Viena
O período quaresmal do calendário litúrgico, as seis semanas imediatamente anteriores à Páscoa, foi historicamente marcado pelo jejum, estudo e outras práticas piedosas ou penitenciais. Durante a Quaresma, não havia festas ou celebrações e as pessoas se abstinham de comer alimentos ricos, como carne, laticínios, gordura e açúcar. As primeiras três classes eram muitas vezes totalmente indisponíveis durante o final do inverno. O Carnaval na Idade Média não durava apenas alguns dias, mas quase todo o período entre o Natal e o início da Quaresma. Nesses dois meses, as populações católicas usavam as várias férias católicas como uma saída para suas frustrações diárias.
Muitos sínodos e conselhos tentaram definir regras para o festival. Cesário de Arles (470-542) protestou por volta do ano 500 em seus sermões contra as práticas pagãs. Séculos mais tarde, suas declarações foram adaptadas como os blocos de construção do Indiculus superstitionum et paganiarum ("pequeno índice de práticas supersticiosas e pagãs"), que foi redigido pelo Sínodo de Leptines em 742. Ele condenou o Spurcalibus en februario. O Papa Gregório Magno (590-604) decidiu que o jejum começaria na quarta-feira de cinzas. Todo o evento carnavalesco era estabelecido antes do jejum, para criar uma divisão clara entre o pagão e o costume cristão. Também era costume durante o Carnaval que a classe dominante fosse zombada usando máscaras e disfarces.
No ano 743, o sínodo em Leptines (Leptines próximo de Binche na Bélgica) falou furiosamente sobre os excessos no mês de fevereiro. Também a partir do mesmo período data a frase: "Quem em fevereiro por uma variedade de atos menos honrosos tenta expulsar o inverno não é um cristão, mas um pagão." Livros de confissão de cerca do ano 800 contêm mais informações sobre como as pessoas vestiam-se como animais ou idosos durante as festas em janeiro e fevereiro, mesmo que isto fosse considerado um pecado.Também em Espanha, San Isidoro de Sevilha queixou-se em seus escritos no século VII de pessoas saindo pelas ruas disfarçadas, em muitos casos como o gênero oposto.
Cristianização
Carnaval em Roma por volta de 1650, por Johannes Lingelbach.
Carnaval de Paris em 2015.
Gradualmente, a autoridade eclesiástica começou a perceber que o resultado desejado não poderia ser alcançado através da proibição das tradições, o que acabou levando a um grau de cristianização da festividade. Os festivais passaram então a fazer parte da liturgia e do ano litúrgico.
Embora formando uma parte integrante do calendário cristão, particularmente em regiões católicas, muitas tradições carnavalesas se assemelham àquelas do período pré-cristão. Acredita-se que o Carnaval italiano seja em parte derivado das festividades romanas antigas da Saturnalia e da Bacchanalia. As Saturnálias, por sua vez, podem ser baseadas nas festas dionisíacas da Grécia Antiga e em festivais orientais.
(...) Muitos costumes locais do Carnaval podem derivar de rituais pré-cristãos locais, tais como os ritos elaborados que envolvem figuras mascaradas no Fastnacht germânico. No entanto, evidências ainda são insuficientes para estabelecer uma origem direta da Saturnália ou outras festas antigas com o Carnaval. Não existem relatos completos de saturnais e as características da festa, como reviravoltas de papéis sociais, igualdade social temporária, máscaras e rompimento de regras permitidas, não constituem necessariamente aspectos coerentes com esses festivais. Essas semelhanças podem representar um reservatório de recursos culturais que podem incorporar múltiplos significados e funções. Por exemplo, a Páscoa começa com a ressurreição de Jesus, seguida por um período liminar que termina com o renascimento. O Carnaval inverte isto com o "Rei Carnaval", que ganha vida e um período liminar que segue antes de sua morte. Ambas as festas são calculadas pelo calendário lunar. Tanto Jesus quanto o "Rei Carnaval" podem ser vistos como figuras expiadoras que fazem um presente ao povo com suas mortes. No caso de Jesus, o dom é a vida eterna no céu, e no caso do Rei Carnaval, o reconhecimento de que a morte é uma parte necessária do ciclo da vida. Além do antijudaísmo cristão, as semelhanças entre rituais e imagens da Igreja e do Carnaval sugerem uma raiz comum. A paixão de Cristo é grotesca: desde o início do cristianismo, Cristo é considerado vítima de um julgamento sumário e é torturado e executado por romanos diante de uma multidão judaica ("Seu sangue está sobre nós e sobre nossos filhos!" Mateus 27: 24-25 ). As procissões da Semana Santa na Espanha incluem multidões que insultam vociferadamente a figura de Jesus. A irreverência, a paródia, a degradação e o riso em uma efígie tragicômica de Deus podem ser vistos como intensificações da ordem sagrada. Em 1466, a Igreja Católica sob o PapaPaulo II reviveu os costumes do carnaval de Saturnália: os judeus foram forçados a correr nus pelas ruas da cidade de Roma. "Antes de correrem, os judeus eram ricamente alimentados, de modo a tornar a corrida mais difícil para eles e ao mesmo tempo mais divertida para os espectadores. Eles correram ... entre os gritos sarcásticos e risadas de Roma, enquanto o Santo Padre estava sobre um balcão ricamente ornamentado enquanto ria de coração", relata uma testemunha ocular.
Algumas das tradições mais conhecidas, incluindo desfiles e máscaras, foram registradas pela primeira vez na Itália medieval. O Carnaval de Veneza foi, durante muito tempo, o Carnaval mais famoso (embora Napoleão tenha abolido a festa em 1797 e só em 1979 a tradição restaurada tenha sido restaurada). Da Itália, as tradições do Carnaval se espalharam para Espanha, Portugale França, e da França para a Nova França na América do Norte. De Espanha e Portugal, se espalhou com a colonização para o Caribe e a América Latina. No início do século XIX na Renânia alemã e Países Baixos do Sul, a tradição medieval enfraquecida também foi revivida. Continuamente nos séculos XVIII e XIX, como parte dos abusos cometidos contra judeus na Saturnália em Roma, rabinos de guetos eram forçados a marchar através das ruas da cidade usando trajes ridículos, sendo expostos à multidão. Uma petição da comunidade judaica de Roma enviada em 1836 ao Papa Gregório XVI para parar com os abusos anuais saturnalistas obteve uma negação: "Não é oportuno fazer qualquer inovação". Na Renânia em 1823, o primeiro desfile de Carnaval moderno ocorreu em Colônia."
("Carnaval", Wikipédia: https://pt.wikipedia.org/wiki/Carnaval/ "Sínodo", idem: https://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%ADnodo)
Carnaval no Brasil:
"(...)Muitos consideravam o Entrudo uma festa suja e violenta, embora a maioria dos senhores liberasse os escravos pra folia.[8] Consistia em brincadeiras e folguedos que variavam conforme o local e os grupos sociais envolvidos. Com a mudança da corte portuguesa para o Rio de Janeiro, em 1808, surgiram as primeiras tentativas de civilizar a festa carnavalesca brasileira,[1] através da importação dos bailes e dos passeios mascarados parisienses, colocando o Entrudo Popular sob forte controle policial. A partir do ano de 1830, uma série de proibições vai se suceder na tentativa, sempre infrutífera, de acabar com a festa grosseira. (...)"
( Carnaval do Brasil, Wikipédia: https://pt.wikipedia.org/wiki/Carnaval_do_Brasil)
"(...) Com o Golpe de Estado de Getúlio Vargas e início de seu governo, o Carnaval do Brasil começa a ganhar nova configuração. Seguindo a proposta fascista que Mussolini empregava na Itália, o então presidente decidiu criar algumas “regras carnavalescas”. Instituiu-se que todos os sambas-enredos teriam letras em homenagem à história do Brasil. Além disso, os instrumentos de sopro foram proibidos por terem origem européia.
Lamartine Babo, compositor carioca de marchinhas irreverentes e satíricas, foi censurado pelo Estado Novo juntamente com outros compositores. É possível perceber o tom de deboche de Lamartine na letra da marchinha “Parei Contigo”, onde ele dizia:
“Tu és o tipo
do sujeito indefinido, carcomido
que só quer tirar partido
Meu Deus, mas é isto
que se chama ser amigo?
Parei contigo! Parei contigo!
Nas eleições foi o diabo
pois tu eras o meu cabo
e votaste no inimigo (...)
Já vou-me embora, cruz!
Vou disparando
Se não tu furtas a canção
que eu estou cantando”.
Apesar da censura das marchinhas, Getúlio utilizava-as para seu benefício também. João de Barro e José Maria de Abreu criaram, em 1950, uma marchinha com a letra:
“Ai, Gegê!
Ai, Gegê, que saudades
Que nós temos de você”.
Outro músico apoiado pelo ditador foi o carioca Heitor Villa Lobos. Segundo o compositor e ensaísta José Miguel Wisnik, “respaldado por Vargas, a contra ofensiva orfeônica de Villa Lobos busca conquistar ativamente para a “grande Arte” o seu prestigioso papel de portadora do sentido da totalidade, perdido no vórtice galopante da “crise” moderna”.
Mas nenhuma marchinha ou letra pró Getúlio simbolizam tanto a influência político-ideológica nas composições da época como o samba-enredo da escola de samba Deixa Falar, conhecida como a primeira do Brasil. Além de desfilarem, no ano de 1929, utilizando cavalos da Polícia Militar do Rio de Janeiro em sua comissão de frente, seu título de samba-enredo era nada menos que “A Primavera e a Revolução de Outubro”, uma homenagem à tomada do poder getulista em 1930."
("Carnaval na Era Vargas", por Felipe Araújo:
"(...) durante a ditadura militar, tal qual acontecia com letras de músicas, peças de teatro e filmes, o carnaval não escapava às tesouras da censura. Todos os blocos de rua, clubes, cordões e escolas de samba, dos mais simples aos mais ricos, tinham de montar extensos dossiês com toda a documentação que pudessem produzir para explicar, tintim por tintim, os detalhes do seu carnaval. Esmiuçavam seus temas em protocolos, aos quais anexavam croquis das fantasias e dos carros alegóricos, coloridos a tinta e decorados com purpurina. Mandavam as letras com as piadas e trocadilhos enunciados e, depois de todo o trabalho, restava torcer pela aprovação dos censores. Só assim poderiam ganhar as ruas. (...)
ENSAIOS MONITORADOS E SAMBAS TROCADOS
Numa observação superficial, os documentos dão a entender que a censura não pegava muito no pé dos foliões, pelo menos entre 1973 e 1985, período da amostra. Autor de livros sobre o carnaval, o historiador Luiz Antônio Simas lembra que a história não é tão simples assim. No recém-lançado “Pra tudo começar na quinta-feira: o enredo dos enredos”, escrito em parceria com Fábio Fabato, ele cita três episódios emblemáticos de censura:
— Quando o Salgueiro desfilou em 1967 (um pouco antes do AI-5, portanto), com “A história da liberdade no Brasil”, os ensaios foram monitorados pelos agentes do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social). O Império Serrano, agremiação nascida sob o signo da rebeldia no final da década de 1940, ousou desfilar em 1969 com o enredo “Heróis da liberdade”. No trecho final do samba, a palavra “revolução”, por interferência dos censores, virou “evolução”. Em 1974, a Unidos de Vila Isabel desenvolveu o tema “Aruanã Açu”, sobre os índios Carajás. Originalmente, a proposta do enredo exaltava os índios e fazia críticas severas ao progresso desenfreado. O regime fez pressões, e a escola teve que transformar o enredo em uma insólita apologia à Transamazônica, rodovia construída pela ditadura, descartando com isso um lindo samba de Martinho da Vila que denunciava o drama dos indígenas.
Os jornalistas Aloy Jupiara e Chico Otavio, do GLOBO, estão pesquisando esses e outros exemplos para um livro sobre a relação entre a ditadura e o carnaval. Jupiara detalha:
— No livro “Salgueiro, 50 anos de glória”, o Haroldo Costa conta que até faltava luz na quadra durante os ensaios do Salgueiro em 67, o que seria uma tentativa de boicotar o desfile. No caso do enredo da Vila Isabel, de 74, houve um desdobramento curioso: o samba descartado do Martinho da Vila foi gravado futuramente por ele com o título “Festa dos Carajás”, e acabou se tornando muito mais popular do que o samba-enredo ufanista cantado na avenida — compara o jornalista, que celebra a digitalização do acervo do Arquivo Nacional. — É difícil pesquisar o carnaval, muitos personagens não estão mais vivos, e as escolas e blocos nunca tiveram o costume de guardar documentos que contem sua história. O valor de ter um acervo como esse disponibilizado é enorme, é importante saber, por exemplo, até que ponto o governo interveio numa manifestação popular, como é o carnaval. Será que os censores iam realmente para a pista checar se os blocos cumpriam o que o croqui submetido à aprovação indicava?
("Carnaval e ditadura" por Mariana Filgueiras : https://jornalggn.com.br/ditadura/carnaval-e-ditadura-por-mariana-filgueiras/)
"(...) A prática da censura moral tem na sociedade brasileira uma longa trajetória, sendo um equívoco associá-la somente à ditadura militar, considerando-se que a censura, em períodos democráticos, procurou combater a licenciosidade e garantir a manutenção dos valores éticos e dos princípios morais. Em regimes autoritários, por sua vez, agregou-se ao cuidado com a moral e os bons costumes a preocupação com a manutenção da ordem política (SOUZA, 2010: 235). Com a promulgação do AI-5, em 1968, e o consequente endurecimento do regime, passou a fazer parte do rol de vigilância não apenas as cenas de nudez e demais elementos que pudessem ferir, de alguma forma, a “família brasileira”, mas também as músicas de protesto, os filmes políticos, etc. (FICO, 2004: 270). (...) Para analisar a censura de diversões
[ * Doutoranda em História pela Universidade Estadual Paulista –UNESP/Assis – E-mail: ellendm8@hotmail.com 1 O carnaval de 1964 ocorreu durante o governo de João Goulart, ou seja, antes do golpe civil-militar de 31 de março/1°de abril daquele mesmo ano. O recorte temporal adotado neste texto compreende, portanto, o período de 1965 a 1979, ano em que se finda as prescrições do Decreto-lei n°1.077/70, voltado para a censura prévia de publicações e de “exteriorizações” contrárias à moral e aos bons costumes, seguindo a própria revogação dos Atos Institucionais, embora seja importante assinalar que o Decreto-lei n°20.493/46 – base legal de que se valeu o regime militar para praticar a censura - continuou em vigência no período posterior ao abordado neste texto.]
públicas no regime militar é necessário retroceder no tempo e voltar para o ano de 1946, quando foi criado, com base no Decreto n° 20.493, de 24 de janeiro, o Serviço de Censura de Diversões Públicas² (SCDP), vinculado ao Ministério da Justiça. Este decreto serviu juntamente com outros dois, de sustentáculo legal para as práticas censórias no pós-1964. Composto de 136 artigos, subdivididos em 13 capítulos, o Decreto n° 20.493, dispunha sobre o funcionamento interno do SCDP, a censura prévia, o cinema, o teatro e as diversões públicas, a radiofonia, as empresas, os artistas, o trabalho de menores, o direito autoral, as infrações e as penalidades. No que diz respeito especificamente ao carnaval, o inciso VIII, do artigo 4°, da referida lei, afirma ser de competência do SCDP censurar previamente e autorizar “as apresentações de préstimos, grupos, cordões, ranchos, etc. e estandartes carnavalescos”; o inciso IX do mesmo artigo, por sua vez, determina que “as propagandas e anúncios de qualquer natureza quando feitos em carros alegóricos ou de feição carnavalesca, ou, ainda, quando realizados por propagandistas em trajes característicos ou fora do comum” precisariam do aval da censura (BRASIL,1946). Essas sociedades que promoviam os desfiles deveriam aguardar, portanto, a licença para a sua apresentação pública e as restrições que, porventura, pudessem ser feitas. O carnaval³ – considerado um festejo libertador das convenções sociais e reconhecidamente libidinoso – sempre esteve sob a mira da censura, o que é evidenciado pelo próprio Decreto n° 20.493, que instituiu de maneira oficial a censura moderna de diversões públicas (FICO, 2004: 269), abarcar os festejos momescos, em um período marcado pela
[2 Em junho de 1972, o Serviço de Censura de Diversões Públicas passou à Divisão de Censura de Diversões Públicas (DCDP). 3 A respeito do carnaval, ganham destaque duas linhagens interpretativas: uma que apreende o carnaval como subversivo, seguindo os preceitos teóricos de Mikhail Bakhtin, o qual entende o carnaval como inversão social e lócus privilegiado de anulação de todas as coerções, e outra que procura entender o festejo como mantenedor do status quo vigente. Muitos autores no Brasil, como o antropólogo Roberto da Matta e Rachel Soihet, para citar apenas alguns, seguiram a linha de estudos representada por Bakhtin. DaMatta, por exemplo, considera que os festejos momescos talvez sejam a única festa nacional sem um dono, preparada para que “[...] todos pudessem estar sem essas preocupações de relacionamento ou filiação a seus grupos de nascimento, casamento e ocupação [...]. Por causa disso, todos podem mudar de grupos e todos podem se entrecortar e criar novas relações de insuspeita solidariedade”(DAMATTA,1997: 121). Seguindo outra linha interpretativa, a socióloga Maria Isaura Pereira de Queiroz procura entender o carnaval não como um momento de subversão da ordem, mas sim de manutenção das estruturas estabelecidas. Nas três fases em que divide o carnaval (entrudo, grande carnaval e carnaval popular), a autora procura mostrar o papel preponderante assumido pela classe dominante na organização e no controle dos festejos e a forma como as estruturas sociais e os valores permaneceram os mesmos durante os folguedos, ficando somente encobertos pelo entusiasmo da festa (QUEIROZ,1992).]
redemocratização. A ação censória aplicada ao carnaval demonstra a sua importância no conjunto dos divertimentos públicos e, sendo assim, não poderia escapar ao olhar moralizante da censura. A historiadora Beatriz Kushnir (2004), em obra dedicada à complexa relação entre regime militar e imprensa, não deixa de abordar, mesmo que em poucas páginas, a forma como o governo militar se relacionou com o carnaval. Antes de fazer essa incursão pelo assunto, a autora traz um episódio envolvendo a música Marcha do condutor, quando de sua censura em 1960, para demonstrar o rigor censório existente no pré-1964. A letra de Jeremias Pelegrino, Válter Moreno e Amílcar Chamareli causou polêmica por supostamente ofender os condutores de bonde, a ponto do jornal O Globo exigir uma postura mais enérgica de Pedro José Chediak, então chefe da Censura do governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961). A canção dizia:
Seu condutor não leve a mal.Encontrei sua mulher agarradinha com o fiscal.Ele diz que é seu amigo Amigo ele não é.Enquanto você dá duro, ele passeia com sua mulher.
Como é possível supor, a censura somente aumentaria após março de 1964, tanto no que diz respeito à vigilância aos divertimentos públicos, como em relação a outros assuntos delicados para o regime. No entanto, a legislação de que se valeu o governo militar para praticar a censura era a mesma de 1946, ou seja, o Decreto n° 20.493. De acordo com Kushnir, foi esse decreto que “justificou a maioria dos pareceres dos censores, tanto para autorizar como para vetar, até 1988” (KUSHNIR, 2004: 101). Cabe colocar aqui, no entanto, algumas considerações quanto à promulgação do Decreto-lei n°5.536, de 21 de novembro de 1968, voltado especificamente para as novas regras de censura aplicadas às obras cinematográficas e teatrais. Além de abordar essas questões, este decretou representou uma tentativa de melhor organizar as atividades censórias, estabelecendo, por exemplo, a exigência de curso superior para as pessoas interessadas em atuar como censores, além da criação de um Conselho Superior de Censura (CSC). Embora tivesse um caráter liberal ao sugerir a institucionalização de uma instância de recurso para as ações tomadas pelo Serviço de Censura de Diversões Públicas, o CSC não teve os resultados aguardados, já que poucos dias depois foi decretado o AI-5, que provocou o endurecimento do regime e das normas de censura. Assim, conforme assinalado anteriormente, o decreto de 1946 continuou a ser usado para justificar as proibições (KUSHNIR, 2004: 103-105)."
("Carnaval e moralidade durante a ditadura militar (1965-1979)" por ELLEN KARIN DAINESE MAZIERO: http://www.snh2015.anpuh.org/resources/anais/39/1441918121_ARQUIVO_Anais_EllenMaziero_ANPUH.pdf)
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